O "melhor sítio para viver no futuro" está a destruir e a matar no deserto saudita

por Cristina Santos - RTP
Projeto de The Line, o coração da cidade NEOM, no Mar Vermelho. NEOM via AFP

As autoridades da Arábia Saudita permitem o uso de força letal para "libertar" uma área de 170 quilómetros de comprimento, o equivalente à distância de Lisboa a Pombal ou de Lisboa a Estremoz. Esta zona, The Line, vai ser a parte central da cidade futurista de Neom e deverá albergar entre 1,5 e dois milhões de pessoas em 2030 e até nove milhões em 2045.

Até lá, diversas vilas estão a ser destruídas e milhares de pessoas estão a ser obrigadas a abandonar locais onde vivem há gerações. Em declarações à BBC, um ex-oficial saudita, coronel Rabih Alenezi, conta que recebeu ordens para expulsar moradores e assim abrir caminho para The Line.

Exilado no Reino Unido desde 2023, este coronel conta que as vilas destruídas pertenciam, na maioria, a uma tribo Huwaitat, que habita há gerações a região entre o litoral do Mar Vermelho e a fronteira montanhosa com a Jordânia.Os Huwaitats são membros de uma antiga tribo de beduínos tradicionalmente nómadas.  

No entanto, sob o argumento de que esta tribo era composta por "muitos rebeldes", as autoridades sauditas deram ordem de expulsão.

Foi o que acabou por acontecer quando um dos habitantes foi morto a tiro por recusar abandonar a casa. Esta morte não mereceu qualquer comentário do Governo saudita, nem dos responsáveis pelo projeto.Autorizaram a morte de "quem continuar a resistir [ao despejo]”.  

Organizações de defesa dos Direitos Humanos afirmam que pelo menos 20 mil pessoas foram expulsas sem compensação adequada. O Governo saudita afirma que “mais de seis mil pessoas foram transferidas”, mas, pelas contas da ONU, 47 foram detidas após resistirem aos despejos e muitas são acusadas de terrorismo. Destas, 40 permanecem detidas, cinco das quais estão no corredor da morte.Imagens de satélite, analisadas pela BBC, de três das vilas demolidas, mostram escolas e hospitais varridos do mapa.

O líder saudita, príncipe herdeiro Mohamed bin Salman, descreve a área como uma “tela em branco” perfeita. São dezenas as empresas internacionais, várias delas britânicas, envolvidas na construção da Neom.

Pensada para ser uma cidade sem carros, 100 por cento dependente de energias renováveis, como a solar e a eólica, pretende responder ao crescimento populacional do país e diminuir o desperdício e o impacto ambiental. A Neom faz parte da Visão Saudita 2030, que visa diversificar a economia do reino longe do petróleo.
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